As pautas sobre igualdade de gênero, maternidade, saúde e segurança no trabalho que envolvem as mulheres são debatidas ainda mais com ações durante o mês de março. Para ilustrar o Dia Internacional da Mulher, a Fundacentro ofereceu palestras no dia 08 de março de 2022.

Neste ano, a Organização das Nações Unidas – ONU lançou o tema “Igualdade de gênero hoje para um amanhã sustentável”. Este tema vai ao encontro das palestras apresentadas, bem como o propósito de estudo e pesquisa da Fundacentro.

De acordo com a história, o Dia Internacional da Mulher nasceu de um movimento no qual mulheres trabalhadoras reivindicavam redução na jornada de trabalho, salários melhores e o direito a voto. Macia Teixeira, assistente em ciência e tecnologia da Fundacentro, fez abertura do evento e falou um pouco da origem e a simbologia da data. “O Dia Internacional das Mulheres foi oficializado em 1975, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) começou a comemorar a data”, salientou.

Macia ainda comentou que a Fundacentro dispõe de uma boa porcentagem de trabalhadoras entre assistentes, analistas, tecnologistas, técnicas e pesquisadoras, as quais representam 42% do quadro. Em relação aos cursos EAD oferecidos pela instituição na plataforma EV.G, Teixeira informou que as mulheres têm participação expressiva, sobretudo nos temas sobre transmissão aérea, atualização após Covid-19, laboratório de ensino de pesquisa e biossegurança.

As mulheres, cada vez mais, estão ocupando cargos que eram majoritariamente exercidos por homens, tais como motoristas de caminhão e ônibus; mestres de obras; taxistas; motoristas de aplicativos; pilotos de aeronaves e tantas outras profissões.

“Hoje as mulheres estão inseridas em todos os setores, no mercado de trabalho como um todo e, especialmente, em profissões que antes eram exercidas apenas por homens. Quando pensamos em saúde e segurança no trabalho, prevenção, promoção da SST, e na proteção das mulheres – é importante pensar em todas as categorias e adequá-las à realidade feminina”, explanou a diretora de Pesquisa Aplicada da Fundacentro, Erika Benevides. Erika também saudou as servidoras que integram a área de pesquisa em ciência e tecnologia da Fundacentro, bem como as trabalhadoras que compreendem as áreas administrativas e de limpeza.

Em 1911, a data foi celebrada pela primeira vez na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suíça. O centenário comemorou-se em 2021. Em sua 111ª edição, o dia 08 de março, a cada ano, tem incorporado e aprimorado ações que resguardam a vida da mulher de forma geral.

Palestras das Pesquisadoras

Divisão Sexual no Trabalho Social

A coordenadora do evento e pesquisadora da Fundacentro, Juliana Andrade Oliveira, explicou que a divisão sexual do trabalho está atrelada ao sistema capitalista e consiste em classificar socialmente o processo produtivo. “A divisão faz uma separação e uma hierarquização das diversas atividades de trabalho na sociedade, na qual é considerado que existem trabalhos para mulheres e trabalhos para homens”, enfatizou Juliana.

Como exemplo, a pesquisadora destacou as atividades de cuidados da casa, alimentação, das crianças e dos idosos que são vistos como “dom feminino”, mas que podem ser realizadas tanto por mulher quanto por homem. “Esses trabalhos por serem considerados como ‘dom’, não são remunerados ou são poucos remunerados”, frisou Oliveira. Informou sobre uma publicação disponível de forma on-line na biblioteca da instituição: O Trabalho Emocional e o Trabalho de Cuidado, que traz análises sociológicas sobre a classificação social das emoções no trabalho e de como o cuidado é uma atividade de trabalho.

Juliana mostrou as diferenças das jornadas das mulheres e dos homens. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad, em 2019, as mulheres fizeram mais horas semanais dedicados aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos. “As mulheres dedicaram 21 horas e 40 minutos e os homens 11 horas semanais, ou seja, as mulheres fizeram quase o dobro de horas semanais”, apontou a pesquisadora.

Além disso, a diferença também ocorre com as mulheres que trabalham fora e que depois do trabalho precisam cuidar da casa, dos filhos e dos idosos. “A jornada doméstica das mulheres corresponde em média a 18,4 horas semanais, já os homens 10,4”, destacou a coordenadora do evento.

Durante a apresentação da pesquisadora que está completa no vídeo, ela comentou sobre os efeitos da divisão sexual do trabalho na carreira profissional e a diferença salarial.

Microagressões e assédio

Juliana trouxe a metáfora “Glass Ceiling Effect” (teto de vidro) que representa uma barreira invisível para as mulheres que, mesmo com alto desempenho não chegam à alta direção, aos cargos com maior poder, por não terem redes de influência. As mulheres quando conseguem ultrapassar a barreira de vidro, segundo a pesquisadora, têm que lidar com os “cacos de vidros”.

“Não basta apenas ter uma excelente qualificação. Na entrevista de emprego é perguntado às mulheres se estão grávidas, se pretendem ter um filho, pois não se trata apenas do pagamento da licença maternidade que a empresa está preocupada em saber. Mas, de certo modo, do quanto que a profissional se dedicará ao trabalho, e quantas vezes ela dirá que não pode comparecer ao trabalho para cuidar do filho”, esclareceu a pesquisadora. Enfatizou que os cargos de gerência, de acordo com a Pnad 2019, os homens ocupam 62,6% e as mulheres 37,4%.

Juliana comentou sobre os movimentos e campanhas feministas que são fundamentais para esclarecerem as vertentes dos assédios existentes. “Hoje existe a lei de importunação sexual. Muitas empresas engajadas em esclarecer o que é assédio”, explicitou.

O conceito microagressões criado pelo psicólogo Derald Wing Sue, pontuado pela pesquisadora, coloca em questão as formas sutis de discriminação e violência psicológica racial.

As microagressões realizadas a indivíduos com base em raça, etnia, classe social, orientação sexual ou de gênero podem desencadear danos à saúde mental das pessoas, queda no desempenho laboral e no convívio social. A pesquisadora explicou ainda que essas microagressões podem ser feitas automaticamente ou inconscientemente pelos agressores, mas que causam profundo impacto na vida dos indivíduos.

Juliana descreveu que, no caso das mulheres, as microagressões estão nas interrupções constantes a uma mulher quando se pronuncia em uma reunião, desqualificação dos argumentos expressados por ela com o intuito de colocá-la como desequilibrada psicologicamente ou biológico, não a deixar exercer tarefas mais estratégicas e importantes, não dar crédito e visibilidade pelo trabalho realizado por mulheres e, por fim, deixar a trabalhadora de fora de conversas importantes. “Derald Sue diz que quem pratica microagressão nem sempre percebe que o que está fazendo, portanto, não enxerga o problema e não vê necessidade de combatê-lo. Considero que a microagressão é uma escalada para o assédio”, frisou.

A pesquisadora seguiu comentando sobre o assédio sexual, o qual é mencionado no Guia de Prevenção ao Assédio Sexual da Organização Internacional do Trabalho – OIT – 2010, “o assédio sexual no ambiente de trabalho”.

Violência e assédio moral no trabalho

Dando continuidade ao tema, a pesquisadora Solange Regina Schaffer salientou sobre o assédio moral como predisposição ao acidente de trabalho em adolescentes aprendizes trabalhadoras, tema de seu estudo. O combate ao assédio moral e sexual tem como objetivo promover ambientes de trabalhos decentes. A convenção 190 (2021) da Organização Internacional do Trabalho – OIT reconhece que a violência e o assédio no local de trabalho fomentam a violação dos direitos humanos, os quais degradam a igualdade de oportunidades e o alcance do trabalho decente.

Solange informou que, sobre Violência e Assédio no Trabalho, a Convenção destaca o conjunto de comportamentos, ameaças e práticas inaceitáveis, que acarretem ou tenham o potencial de causar dano físico, psicológico, sexual e econômico.

Seguindo a discussão do sociólogo francês Pierre Bourdieu, Schaffer comentou que “em ambientes de trabalho majoritariamente masculinos, como em montadoras, as mulheres são concebidas como objetos simbólicos”. Disse ainda que, segundo o autor, mulheres trabalhadoras devem ser receptivas, atraentes e disponíveis. Geralmente, e em geral, ocupam cargos inferiores aos dos homens, como recepcionistas e secretárias.

Durante a sua fala, ela descreveu alguns relatos das jovens aprendizes que se sentiam não vistas como estudantes e trabalhadoras (a invisibilidade é geral: não dividir por categoria profissional). O assédio sofrido por elas desencadeou uma série de desgaste psicológico e físico.

“Meninos falam coisas super machistas, que a gente está ali para servir, e que a gente não tem voz. Incomoda muito. Não consigo nem ouvir a voz de alguns meninos, já peguei birra” (Úrsula (nome fictício) de 19 anos, aprendiz em mecânica veicular).

Em outro relato, Gabriela (nome fictício) de 18 anos, aprendiz administrativa, diz “eles fazem brincadeiras com o aprendiz e se falar para alguém podem ser demitidos. Isso é uma violência. Se contar para os pais, vão querer que a gente saia. Muita gente sofre psicologicamente com isso”.

Com a voz embargada, Solange comentou “é uma das falas que mais mexeu comigo como pesquisadora, pois ela várias vezes chorou na entrevista e ela estava em um processo de sofrimento muito grande. Não sou médica, mas aparentemente, a Areta (nome fictício), de 17 anos, aprendiz administrativa lotada em um setor de segurança no trabalho, estava desenvolvendo uma depressão”, frisou a pesquisadora.

Em um dos relatos, a jovem aprendiz dizia “Falam do meu cabelo que é cacheado, sapato. Comentam sobre a roupa. Uma vez falaram da minha bunda, que era muito grande. Pensei em pedir para mudar de setor, mas não pode. Queria me demitir, mas minha mãe disse que todo lugar é assim e que tenho que aprender a lidar com isso. Mas eu acho que é injusto”.

“A Convenção da OIT salienta que é necessário estabelecer códigos de conduta e políticas de prevenção à violência e ao assédio; ter adequadamente funcionando uma ouvidoria interna e conscientizar trabalhadores e trabalhadoras sobre a gravidade das condutas de violência, assédio e suas consequências”, esclareceu Schaffer.

Gravidez invisível

A pesquisadora da Fundacentro e doutoranda da Faculdade de Engenharia do Porto – Portugal, Soraya Wingester Vasconcelos, apresentou, o estudo exploratório “Gravidez invisível: proteção à maternidade nos ambientes de trabalho hospitalares”.

Soraya durante a sua apresentação demonstrou que é fundamental haver um olhar mais aprofundado sobre as questões de saúde e segurança para as mulheres que trabalham nos ambientes hospitalares. Isto porque o ambiente hospitalar apresenta uma gama de riscos biológicos, químicos, físicos, biomecânicos e psicossociais, além de múltiplas relações de trabalho com acúmulo de longas e intensas jornadas.

“O aumento da presença feminina nos diferentes setores produtivos reforça a importância da proteção da maternidade”, mencionou Vasconcelos. Completou que trabalhar no setor hospitalar desafia os papéis reprodutivo e produtivo das mulheres.

A doutoranda destacou as literaturas pesquisadas e informou que esse estudo exploratório buscou responder “quais são os fatores de risco ocupacional e problemas de saúde relacionados ao trabalho mais relevantes para as trabalhadoras em idade fértil ou grávidas, e as iniciativas e medidas para promover e proteger a saúde, o trabalho e a maternidade no setor hospitalar?”

Ainda em sua apresentação, disponível no vídeo, é possível entender as evidências científicas sobre a proteção da maternidade como direito fundamental e os aspectos socioeconômicos relacionados; as trabalhadoras grávidas ou em idade fértil e os riscos ocupacionais; as ocorrências na gravidez relacionadas ao trabalho; e a proteção à maternidade e medidas de segurança e saúde ocupacionais.

Ao final da discussão, a pesquisadora trouxe uma série de apontamentos a respeito das políticas globais de trabalho e família. “É preciso promover a saúde materno-infantil, além da plena realização das mulheres de seus papéis reprodutivos humanos e sociais”, explanou Wingester. Disse ainda sobre a discriminação contra as mulheres no local de trabalho, declínio contínuo da fecundidade, idade materna avançada, compreensão entre trabalho e maternidade.

“A relevância do trabalho para a vida das mulheres e de seus filhos exige uma abordagem cuidadosa das exposições ocupacionais, não se restringindo a discutir sobre o afastamento ou não do trabalho”, concluiu a pesquisadora.

Trabalhadoras da saúde e Covid-19

A convidada Elizabeth Sousa Cagliari Hernandes, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério da Saúde, informou que no início da pandemia escreveu o artigo que teve o seu título inspirado em Svetlana Aleksievitch: relatos de mulheres que enfrentaram uma “pandemia de ódio” e não tinham suas histórias registradas.

“Os pesquisadores que trabalham com políticas públicas receberam a demanda que fizéssemos ações simultâneas de atendimento emergencial porque as pessoas estavam adoecendo e morrendo. Mas, em paralelo, tínhamos que fazer planejamento e pesquisa e com olhar nas questões de gênero. Pelo senso comum, sabemos que as mulheres têm condições laborais e de vida mais difíceis, sobretudo com o advento da pandemia da Covid-19”, salientou Elizabeth.

Completou que com a pandemia houve um agravo na qualidade de vida das mulheres, como aumento da violência e elas ficaram ainda mais responsáveis nos papeis sociais de cuidadoras. “De acordo com dados, a predominância de mulheres na linha de frente na área da saúde e serviço social, no enfrentamento da Covid-19, cresceu no mundo em 85%, no Brasil 70%, ressaltou a pesquisadora.

Na apresentação de Hernades, disponível de forma completa no vídeo, é possível perceber que em número maior, as mulheres sofreram riscos ocupacionais: excesso de horas trabalhadas, sofrimento psíquico, fadiga, “burnout”, estigmatização, violência física e psicológica – assédio, mesmo no trabalho remoto, e salários menores.

Elizabeth frisou que é imprescindível garantir a representação igualitária das mulheres, atenção às necessidades psicossociais e estabelecer medidas claras e explícitas de prevenção e mitigação de casos de violência. Também oferecer apoio para cuidados infantis ou geriátricos às profissionais atuantes na linha de frente do combate à Covid-19 e pesquisa acerca de impactos diretos e indiretos da pandemia, desagregados por sexo e idade.

Trabalho após aposentadoria

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – 2016, as mulheres com 60 anos ou mais dedicavam 19,1 horas semanais aos afazeres domésticos, enquanto os homens da mesma faixa etária dedicavam 10,6 horas. Esses dados foram expostos pela pesquisadora Maria Engrácia de Carvalho Chaves.

A pesquisadora ressaltou a divisão sexual do trabalho e a desigualdade existente no que concerne à sobrecarga dos afazeres domésticos e cuidados da família, filhos, mães e idosos (as), socialmente atribuídos às mulheres.

“É sempre bom lembrar que o trabalho pode ser estruturante para a saúde psíquica, na medida em que o ambiente de trabalho proporcione solidariedade, reconhecimento do trabalho pelos pares e a possibilidade de construção de uma identidade social”, salientou a pesquisadora.

Maria Engrácia também especificou os elementos presentes na precarização do trabalho, tais como informalidade, más condições de trabalho e de remuneração, desregulamentação das relações de trabalho e desrespeito aos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores.

No que diz respeito às relações entre o trabalho após a aposentadoria e a saúde, Chaves explicou que não há um consenso na literatura científica, e que essas relações dependem da trajetória laboral anterior, bem como do gênero, da raça e da classe social. Nesse sentido, a pesquisadora salientou que é importante entender que o envelhecimento e a aposentadoria não são processos vivenciados de forma homogênea.

Maria Engrácia ressaltou a questão das mulheres na idade madura e na velhice que são socialmente responsabilizadas por trabalhar sem remuneração quando se trata de cuidar dos familiares de um modo geral. Isso faz com que essas mulheres tenham menos tempo para tentar ingressar no mercado de trabalho.

A palestra completa da pesquisadora Maria Engrácia, bem como de todas as palestrantes, está disponível no canal da instituição no YouTube.

Fonte: Fundacentro